O fenômeno da “pejotização” surgiu como uma nova modalidade de contratação que consiste em o empregador determinar que o trabalhador constitua uma pessoa jurídica e assim ser tratado como uma empresa para prestação de serviço e não como empregado, cuja finalidade é reduzir a carga tributária e evitar o pagamento de certos direitos trabalhistas.
Segundo o ensinamento do saudoso jurista Amauri Mascaro Nascimento o direito do trabalho deve se ocupar a forma de trabalho que apresenta especificidades e com as relações coletivas que nele se instauram, afirmando, ainda, que o trabalho albergado pelo direito do trabalho é aquele realizado por pessoa física e não a atividade ou prestação de serviços de pessoas jurídicas, a menos que no desenho desta haja fraude para encobrir, na verdade, o trabalho de uma pessoa física, conforme o princípio da primazia da realidade.
A jurisprudência trabalhista sempre entendeu que a “pejotização” é uma prática ilegal quando causa prejuízos para a parte hipossuficiente da relação, ou seja, o trabalhador, que tem seus direitos lesados, e surgiu com a inserção da Lei nº 11.196/2005 no ordenamento jurídico brasileiro, conforme o seu artigo 129:
“Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.”
Foi a partir dessa lei, que várias empresas começaram a contratar trabalhadores intelectuais como prestadores de serviços, impondo a criação de pessoa jurídica, alegando a legalidade com base no artigo acima transcrito.
Os contrários ao novo formato de contratação passaram a afirmar, contudo, que isto fere os princípios trabalhistas e retira garantias que são asseguradas aos trabalhadores, pois a empresa contratante não assumi os encargos trabalhistas, sendo o trabalhador prejudicado em seus direitos como férias, décimo terceiro salário, dentre outros direitos que lhe são assegurados por lei.
A jurisprudência mais recente sobre a “pejotização” revela um cenário complexo e multifacetado, especialmente no que tange à competência da Justiça do Trabalho e às reclamações constitucionais apresentadas no Supremo Tribunal Federal, o que tem gerado intensos debates jurídicos e certa insegurança jurídica.
O Supremo Tribunal Federal, ao fixar a tese do Tema 725 da Repercussão Geral, estabeleceu que “é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.
Contudo, o STF ressalvou que contratos firmados para dissimular uma relação de emprego de fato existente são nulos, sendo necessário observar os elementos constitutivos do vínculo empregatício previstos no artigo 3º da CLT.
A jurisprudência do STF também reconhece a liberdade de organização produtiva e a licitude de outras formas de organização do trabalho, como contratos de parceria, sociedade e prestação de serviços por pessoa jurídica, desde que não haja fraude à legislação trabalhista.
A competência da Justiça do Trabalho para julgar ações relacionadas à pejotização tem sido reafirmada em diversas decisões, sendo o principal argumento o disposto no artigo 114, inciso I, da Constituição Federal, o qual dispõe que cabe à Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ações oriundas de relações de trabalho.
A teoria da asserção, que define a competência com base na causa de pedir e no pedido formulado na inicial, também sustenta essa posição.
Contudo, o STF tem decidido que, em casos onde a análise da validade de contratos civis é necessária, a competência pode ser deslocada para a Justiça Comum.
Mais recentemente o STF vem recebendo diversas reclamações constitucionais que discutem decisões da Justiça do Trabalho sobre o tema, questionando a competência da Justiça do Trabalho e a afronta ao posicionamento do STF sobre a terceirização.
Decisões como as proferidas nas reclamações RCL 39.351 e RCL 53.899 destacam a licitude de contratos entre pessoas jurídicas, desde que não haja subordinação ou outros elementos típicos da relação de emprego. Em casos envolvendo trabalhadores hipersuficientes, como na RCL 56.499, o STF afastou a configuração de vínculo empregatício.
Decisões relatadas por ministros como Luís Roberto Barroso e Nunes Marques enfatizam a licitude de contratos de prestação de serviços por pessoas jurídicas, desde que não haja fraude à legislação trabalhista. A jurisprudência do STF tem sido consistente em afirmar que a terceirização e a pejotização são lícitas, desde que respeitem os limites legais e não dissimulem uma relação de emprego.
Portanto, a evolução da jurisprudência sobre a pejotização reflete um equilíbrio entre a liberdade de organização produtiva e a proteção ao trabalho, com destaque para as decisões do STF nas reclamações constitucionais, as quais têm reforçado a necessidade de observância aos precedentes vinculantes.
As divergências e embates jurídicos sobre o assunto ganhou novo capítulo com o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, determinando a suspensão nacional de todos os processos que tratam da licitude da contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços, destacando que a controvérsia sobre a legalidade desses contratos tem sobrecarregado o STF diante do elevado número de reclamações contra decisões da Justiça do Trabalho que, em diferentes graus, deixam de aplicar entendimento já firmado pela Corte sobre a matéria.
No Recurso Extraordinário com Agravo (ARE 1532603), o Plenário do STF reconheceu a repercussão geral da matéria (Tema 1389), que envolve não apenas a validade desses contratos, mas também a competência da Justiça do Trabalho para julgar casos de suposta fraude e a definição sobre quem deve arcar com o ônus da prova: o trabalhador ou o contratante.
Com isso, a decisão de mérito que vier a ser proferida pelo STF deverá ser observada por todos os tribunais do país ao julgarem casos semelhantes.
O posicionamento de alguns juristas é favorável à decisão de Mendes, pois a medida busca uniformizar os posicionamentos da Justiça do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que hoje são divergentes.
A suspensão dos processos permanecerá válida até que o Plenário julgue o mérito do recurso extraordinário, e enquanto a Corte não firma sua posição, casos semelhantes seguirão suspensos em todo o país.